Ana Lúcia Hennemann
O ato de ler pode modificar as concepções que o indivíduo faz do mundo. Traz autonomia, expande a imaginação e aumenta a capacidade cognitiva. No entanto, ler é uma evolução histórico cultural (SOUZA, 2003), não nascemos com nenhuma área cerebral específica da leitura, mas sim, “há uma grande complexidade na forma como o cérebro processa a linguagem, com áreas de especialização para as diferentes dimensões da linguagem”.(SOUZA, 2003, p. 3)
Diante desse fato, a de se entender que para que o indivíduo adquira a propriedade da leitura, várias áreas necessitam ser estimuladas e deve-se investir em atividades que auxiliem a criança na construção simbólica. Sendo que “[...]muitos educadores não se dão conta de como o tornar-se alfabetizado afeta a competência linguística dos falantes, tanto na fala como na escrita. ” (EHRI, 2016, p.50)
Pesquisas desenvolvidas por Linnea Ehri evidenciam que a aquisição da leitura se dá através de palavras e que estas ativam significados dentro do nosso cérebro, que nos fazem dar uma atenção especial à escrita das palavras e reconhece-las automaticamente. Conforme a neurocientista, existem vários processos utilizados para ler palavras, mas 4 (quatro) deles são essenciais: decodificação (que envolve o uso do conhecimento grafema-fonema), analogia (que envolve o uso de partes de palavras conhecidas para ler palavras desconhecidas quando ambas possuem o mesmo padrão ortográfico, ex: mola, bola), predição (que envolve o uso de informações contextual de uma ou mais letras para inferir a identidade das palavras, por exemplo: Maria brinca com sua....(imã, amiga... tia) e memória (que envolve a capacidade de leitura por reconhecimento automatizado).
Sendo assim, em casos quais a criança não consegue se alfabetizar, os professores podem sim, trabalhar na perspectiva da memorização de um pequeno grupo de palavras (relativos ao nome da criança e/ou de demais familiares, bem como nomes de objetos significativos para a mesma) que uma vez memorizados, serviriam de conhecimentos prévios para reestruturar a construção de novas palavras.
Ehri, diferente do que já se conhecia em termos de aquisição da leitura e escrita evidenciado por Ferreiro, contribui com fases naturais do processo de leitura: pré-alfabética, alfabética parcial, alfabética plena e alfabética consolidada.
A velocidade com que cada criança ultrapassa estas diferentes fases varia muito de acordo com o ambiente, com a língua e também com a capacidade individual, mas de modo geral a sequência é sempre a mesma e a transição de uma para outra é sempre gradativa.
Fase Pré- Alfabética
A criança não apresenta ainda um reconhecimento da correlação fonema-grafema, lembrando apenas de pistas visuais da palavra como o “M” de McDonald ou o “S” da Sadia e assim pode interpretar erroneamente, palavras similares, que contenham estas iniciais.
Durante a fase pré-alfabética, as crianças não parecem prestar atenção às letras na grafia das palavras. Ao invés disso, elas aprendem a ler com base na formação de uma conexão entre um aspecto saliente na grafia da palavra ou ao seu redor (p. ex., o arco dourado que aparece atrás do rótulo McDonald’s) e seu significado e/ou pronúncia.
Com efeito, as crianças em idade pré-escolar que participaram do estudo de Masonheimer, Drum e Ehri(1984) mostraram-se alheias às trocas de letras introduzidas em uma série de rótulos familiares (p. ex., Xepsi no lugar de Pepsi ou OcDonald’s no lugar de McDonald’s) e continuaram a ler os rótulos como se nada tivesse sido alterado (p. ex., lendo Pepsi em vez do Xepsi).
Fase Alfabética Parcial
À medida que as crianças aprendem os nomes e os sons das letras, elas começam a compreender que as letras representam sons na pronuncia das palavras e passam a ler por meio do processamento e do armazenamento de relações entre as letras e os sons. Inicialmente, contudo, a criança só é capaz de processar relações letra-som para algumas letras nas palavras, talvez a primeira e a última letra. Por exemplo, ao ver e escutar a palavra bebê, a criança pode notar que a letra “b” no início e no meio da palavra corresponde ao som/be/que ela é capaz de detectar na pronúncia da palavra. Essa compreensão permite-lhe usar informação de natureza visuofonológica para criar uma via de acesso à memória, de maneira que, ao ver a grafia da palavra novamente, ela consegue se lembrar tanto do seu significado quanto de sua pronúncia. Contudo, uma vez que a criança só é capaz de processar relações letra-som parcialmente, a representação da palavra é ainda incompleta, algo como B_B_.
A criança identificaria apenas algumas letras de cada palavra, como por exemplo o “S” e o “O” da palavra sono, o que poderia implicar em dificuldade de interpretação quando estivesse diante da palavra sino, por exemplo.
Fase Alfabética Plena
Caracteriza-se pela habilidade de ler por meio da recodificação fonológica e requer o processamento de todas as relações letra-som na palavra. Essa habilidade permite ao leitor armazenar representações completas da grafia das palavras na memória. Como consequência a leitura torna-se mais acurada. Ou seja, o leitor nessa fase é capaz de identificar uma palavra familiar, como por exemplo, gato, a despeito de sua semelhança com outras palavras também familiares como, por exemplo, gata, gado, galo, gota, gola, pato, jato, etc.
Caracteriza-se pela completa identificação de todas as letras de cada palavra e sua respectiva correspondência sonora, permitindo assim uma leitura correta, que vai ser muito mais rápida em uma fase posterior.
Fase Alfabética Consolidada
Na qual o leitor é capaz de ler sequências de letras que ocorrem com uma grande frequência, como por exemplo ENTE, que está presente em dente, mente, carente, saliente, etc., em vez de ler cada letra isoladamente.
À medida que o vocabulário visual aumenta, sequencias de letras que ocorrem em diversas palavras (e seus respectivos sons) são consolidadas em unidades maiores, tornando os leitores capazes de operar com unidades correspondentes a morfemas e/ou sílabas. Essas unidades são mais econômicas, por que ajudam a reduzir o número de conexões entre a escrita e a fala, necessárias para processar e armazenar a grafia das palavras na memória.
Um fator interessante da alfabetização consolidada é que o leitor alfabetizado, e com a leitura já automatizada, terá dificuldade em ignorar um estimulo escrito (EHRI, 2007).
Uma das funções da neuropsicopedagogia é procurar entender de que forma ocorrem os processos de aprendizagem, principalmente os novos estudos pautados numa visão neurocientífica e dentro disso procurar articulações que possam trazer maiores benefícios para os aprendentes e ensinantes, pois aprendizagem é isso, busca, renovação, ressignificação e compartilhamento de saberes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
EHRI, Linnea. Aquisição da habilidade de leitura de palavras e sua influência na pronuncia e na aprendizagem do vocabulário. In MALUF, Maria Regina. CARDOS-MARTINS, Cláudia. [et al] Alfabetização no século XXI: como se aprende a escrever.
OLIVEIRA, Marta. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2010.
SANCHEZ- CANO, Manuel. Manual de Assessoramento Psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2011.
SNOWLING, Margaret. HULME, Charles. A ciência da leitura. Porto Alegre: Penso, 2013.
SOUZA LIMA, Elvira. Quando a criança não aprende a ler e a escrever. São Paulo: Sobradinho 107, 2003.
______. Neurociência e Aprendizagem.2 ed. São Paulo: Inter Alia Comunicação e Cultura, 2010.
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