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quinta-feira, 31 de março de 2016

“O DNA lixo, na verdade, é quem comanda os genes”

                                        


Primeiro, ouvimos que a maioria do nosso DNA era lixo. Em seguida, não era. Agora, é de novo.
Ano passado, o site The Conversation publicou um artigo com o título “Human Genome 2.0: ENCODE project debunks ‘junk’ DNA” (em português, “Genoma Humano 2.0: projeto ENCODE desbanca o [termo] DNA ‘lixo’”).
ENCODE, neste caso, se refere a uma pesquisa internacional que se comprometeu a mapear o genoma em termos de características associadas com a regulação dos genes. Em setembro de 2012, o projeto publicou um mapa de quatro milhões de chaves encontradas no DNA “lixo”, e, portanto, declarou que 80% da sequência de DNA não era inútil e podia ter algum tipo de função bioquímica.
Mas uma coisa estranha sobre o artigo foi que – além do título e da primeira linha – raramente mencionou o DNA lixo. A declaração mais importante veio de um comentário perspicaz de Brendan Zietsch, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Queensland (Austrália), que apontou que o artigo conduzia ao erro por dizer que o projeto ENCODE havia desbancado o DNA lixo.
No mês passado, outro geneticista, Dan Graur da Universidade de Houston, Texas (EUA), e seus colegas publicaram um artigo na Genome Biology and Evolution que também rebateu as conclusões do projeto ENCODE sobre o DNA lixo.

Em suma, parece que o “elogio” ao DNA lixo publicado em setembro passado, juntamente com o artigo cativante de que o DNA não é só lixo, poderiam ganhar prêmios de “manchetes mais enganosas do ano”.

O que é DNA lixo?

                                        


Vírus e outras pequenas coisas que se reproduzem rapidamente e têm grandes populações têm genomas com muito pouco DNA lixo. Isso porque os vírus não podem se dar ao luxo de levar bagagem desnecessária.
Os genomas de bactérias, e de muitos – mas não todos os – fungos também são bastante compactos.
Já seres maiores, como os humanos, parecem ter acumulado mais DNA, e a um ritmo muito mais rápido do que conseguem descartar. Como só se reproduzem a cada 20 anos ou mais, essa carga extra não parece importar.
Pense no DNA como sendo dados de computador. Como seu telefone é pequeno, por exemplo, não pode armazenar tantos dados assim; mas, no caso de sua unidade de disco rígido, não há necessidade de apagar todos os e-mails ou cada cópia de cada documento que você escreve.
Isso levaria tempo demais e você não quer apagar algo importante sem querer, ou algo que você poderia precisar um dia. Aos poucos, as coisas se acumulam. Com isso, vírus de computador podem aparecer. Eles são inativados ou colocados em quarentena, mas cópias sem vida desses vírus se acumulam também.
Estima-se que, talvez, dois terços do nosso genoma sejam compostos de “sequências parasitas” – elementos transponíveis (ou genes saltadores), que são entidades “egoístas” que se reproduzem muito, como vírus. Quase todos eles agora estão inativos e são inofensivos. Mas não é fácil para os nossos genomas simplesmente jogá-los fora, porque eles estão “costurados” no meio do DNA mais valioso – então a gente os deixa lá.
Também existem as cópias extras de genes – às vezes, a replicação dá errado e cópias extras surgem. Algumas adquirem novas funções, mas a maioria só perde completamente a função: são os chamados pseudogenes. Há muitas sequências repetidas em nossos genomas. Como regra geral, uma vez que algumas das coisas em nosso galpão genômico são tão importantes que a nossa vida depende disso, é melhor não jogar nada fora.

Com função ou sem função?

Esses “dados” não funcionais do nosso DNA são chamados de “DNA lixo”. A expressão foi cunhada pelo respeitado geneticista Susumu Ohno em 1972. O termo sempre foi controverso. No geral, a ideia de “lixo” é a de coisas que você mantêm mesmo que a maioria seja inútil, e não coisas que começam a cheirar mal e temos que nos livrar delas.
Então, por que o projeto ENCODE e os meios de comunicação anunciam que 80% de nosso DNA é funcional e que o “lixo” está “morto”?
Principalmente porque definiram a palavra “função” de forma livre. Função é uma palavra complicada. Minha estante, por exemplo, adquiriu recentemente uma nova função – encher a minha casa com coisas que eu não uso. Mas essa função é ridícula.
No artigo de Dan Graur, ele usa outros exemplos de “funções ridículas”. A função biológica do coração é bombear sangue, mas alguém poderia argumentar que uma outra função do órgão é fazer barulho.
Ele ressalta que a equipe de ENCODE definiu função de forma errada e isso, em parte, os levou a sugerir que a maior parte do genoma é funcional e, portanto, não lixo.
Para o projeto ENCODE, o DNA foi considerado funcional se é transcrito (ou seja, copiado em RNA), se é ligado a uma proteína de ligação de DNA, ou se não tem histonas (proteínas), ou se tem histonas com marcas especiais, ou se é metilado. Mas nenhuma dessas características, ou atividades, é uma boa medida de função.
O lixo na minha estante pode ser visto e até fotografado (como ser copiado em RNA), ou pode ser marcado com uma nota que diz “Não toque” (análogo a ser marcado com uma proteína de ligação a DNA, ou uma histona, etc), mas ainda não tem função alguma.
Dan Graur aponta que, se ENCODE tivesse incluído a capacidade de ser replicado (copiado em DNA), em vez de simplesmente transcrito (copiado em RNA), poderia rapidamente declarar que 100% do genoma é funcional, já que todo o DNA pode se replicar, o que é uma função, não?
Não. A função primária do DNA é armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas. Ser submetido a outras atividades, ou ter marcadores como histonas não são funções. O ponto-chave aqui é que as coisas em minha estante são coisas que eu não sentiria falta se fossem quebradas ou desaparecessem. Assim, elas não são funcionais. O mesmo pode ser dito do “DNA lixo”.

Esperanças para verdadeiras funções

Estimativas atuais sugerem apenas cerca de 9% do nosso genoma mostra evidências de estar sob pressão seletiva e funcional, não 80%. Em outras palavras, até 91% do nosso DNA ainda é lixo, apesar das manchetes.
Então, o ENCODE foi uma coisa ruim? Nem um pouco. O objetivo do ENCODE não era determinar se o nosso DNA era lixo ou não: o objetivo era catalogar as marcações. Uma grande quantidade de catalogação foi feita, e muito bem feita. Os dados serão úteis.
O problema é que o trabalho foi publicado em 30 jornais científicos e manchetes empolgantes passaram mensagens erradas. Em um mundo feito de “publicar ou perecer”, não foi o suficiente dizer: “Os dados estão agora disponíveis na web” e deixar por isso mesmo. Tinha que haver grandes afirmações, e nada é mais emocionante do que a ideia de que a maioria do nosso genoma tem uma função secreta à espera de ser descoberta.
A ciência é impulsionada pela esperança da descoberta. Os seres humanos são motivados por ela. E isso não é uma coisa tão ruim. Colombo queria encontrar um atalho para a Índia, e, apesar de suas esperanças não serem bem fundamentadas, ele acabou fazendo uma grande descoberta.
Haverá novas descobertas no genoma também. Esse “lixo” pode se tornar um parque de diversão para a evolução. De vez em quando, uma parte do DNA que foi denominado lixo poderá ter adquirido alguma função real – e isso sim vai merecer uma manchete.
A principal função do DNA é armazenada nos genes, que constituem apenas 3% de uma amostra de DNA. Ainda assim, não é bem 97% do DNA que é “lixo” – alguma porcentagem dessa sequência que não codifica proteínas pode ter alguma função.

Cientistas do Instituto de Tecnologia em Massachusetts (EUA), por exemplo, identificaram uma porção do DNA não codificante que é fundamental ao desenvolvimento de células cardíacas, e outros cientistas descobriram que mutações no DNA não codificante podem ser a chave que causa o câncer de pele. Ainda assim, é provável que uma grande parte do DNA permaneça sendo o que é: lixo.[MedicalXpress]

Ref: http://hypescience.com/o-dna-lixo-esta-de-volta/

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